quarta-feira, 7 de maio de 2008

Um resgate lírico da história grapiúna

Livro resgata de forma lírica os detalhes de uma cidade que cresceu e de certa forma não preservou as suas raízes

A reunião de crônicas e memórias formam o conteúdo de Retalhos, de Helena Borborema, falecida esta semana, um livro que resgata histórias e imagens de Itabuna, uma cidade que viu crescer e da qual traz recordações amenas, como a de uma misteriosa casa de vidros azuis e que acabou desaparecendo com um progresso envolvente e avassalador, que trouxe no seu bojo ruas, avenidas, casas, edifícios, além de mudanças nos costumes e tradições.
A autora também lembrava da antiga estrada de ferro cuja estação ficava no lugar do edifício onde funciona a FTC e que no passado recente abrigava o Centro Administrativo Municipal e a Câmara de Vereadores. Ela lamenta a desativação da ferrovia, que teve seus trilhos e dormentes arrancados: “seus vagões sucateados, destruídos pela ação do tempo, sem a piedade dos homens que da sua existência nada guardaram, nem como lembrança que se preserva de um ente querido morto”.

Paulino Vieira

Quem recebe destaque especial em um dos capítulos do livro é a Coronel Paulino Vieira, antiga rua da Laranjeira, onde a escritora nasceu, que tinha uma intensa movimentação aos sábados e ficava próxima da antiga feira que funcionava no centro da cidade, na praça Adami: “Na rua havia residências simples e casas boas. Nas décadas de vinte e trinta, nela residiam os coronéis do cacau, Oscar Marinho falcão -numa bonita casa cheia de janelas e com um portão de ferro e um pequeno jardim ao lado- e o austero Maneca Brandão (Neca), que usava roupa escura com colete, relógio de ouro com corrente na algibeira e chapéu de feltro”.
Também residiam na mesma rua quatro famílias de origem libnanesa: os Barifaldi Hirs, os Habib, os Midlej e os Agle, além dos familiares de Francisco Ribeiro, Arthur Pita, Narciso Rocha, o farmacêutico Benigno Azevedo, o advogado Lafayette Borborema, o coronel Laudelino Lorens e Carlos Maron, que depois foi transformada na sede do Itabuna Clube e onde hoje dá lugar ao prédio do Banco do Brasil na praça Olinto Leoni.
Helena Borborema fala também das mudanças sofridas pela Paulino Vieira, que hoje está sendo transformada num shopping a céu aberto: “Seus moradores aos poucos foram saindo, e um comércio dinâmico ali surgiu. Quase todas as casas foram modificadas. Onde havia janelas surgiram vitrinas. Das casas dos coronéis, uma foi demolida e outra modificada. A rua perdeu a alegria pueril do passado, mas conservou a sua vitalidade sob outros aspectos, como nos mostra hoje o seu comercio atuante”


Festas


Retalhos também abre espaço também para festas de Natal, com as tradições dos presépios e da Missa do Galo; da Semana Santa e do Carnaval com seus blocos de mascarados, que se concentravam entre a praça Adami e a rua J.J.Seabra, hoje avenida Cinqüentenário: “O Carnaval era feito de música serpentina e confetes. As músicas, aprendidas pelo povo dois meses antes através das rádios, esquentavam a boca e faziam a animação de todos. Marchas, marchas-racnho, musicas carnavalescas puras, de grandes compositores cariocas. Não havia tro-elétrico, não se pagava altos cachês a cantores importados, nem se onerava os cofres da Prefeitura, porque o Carnaval era feito pelo próprio povo, com suas fantasias e animação”.
Ela destacou ainda o corso, com carros de capota arriada que percorriam o centro da cidade, com jovens fantasiados, que lançavam serpentinas e confetes em verdadeiras batalhas coloridas. Entre os foliões mais criativos, a autora destaca a participação de Narciso Rocha, que teve uma fantasia de Diabo admirada pela sua confecção primorosa, num Carnaval alegre, animado, sem licenciosidade e sem camisinha.
Helena Borborema também resgatou imagens da praça Olinto Leoni, com seus flamboyants floridos e que era o ponto de encontro de jovens e enamorados. O livro também fala da preocupação ecológica da escritora com relação ao rio Cachoeira, que serviu de estrada para os pioneiros e que hoje, poluído cada vez mais, estaria doente, triste e abandonado, como se fosse um paciente agonizante
O livro também resgata a história de personagens que ajudaram a construir a cidade, como o médico Ápio Lopes e figuras anônimas e esquecidas como o carregador Prego, Bomboinha, Dona Albertina – que vendia mingau de tapioca cheirando a canela na rua do Quartel Velho, hoje Rui Barbosa-: “Tomar chocolate com bolinhos no bar, comprar doce no tabuleiro de Bomboinha, beber mingau gostoso de dona Albertina de manhã cedo, mas a mim, criança, eram instantes de grande satisfação. A soma de todas essas pequenas alegrias acrescida de outros prazeres oferecidos pela cidade aos meus olhos que se abriam para a vida, alicerçavam o meu bem querer às coisas e as pessoas da minha terra”.

Quem foi Helena Borborema


Morre a escritora
Helena Borborema



A vida cultural itabunense teve uma perda significativa, com a morte da professora formada pela Faculdade de Filosofia de Itabuna e escritora Helena Borborema, que morreu aos 87 anos, na madrugada de ontem em sua residência na rua Lafayete Borborema, que leva o nome do seu pai, o primeiro advogado a atuar em Itabuna. Professora aposentada de geografia, ela deixou dois livros publicados "Terras do Sul", uma homenagem a Itabuna quando o município completou 80 anos de emancipação político-administrativa e depois Retalhos, que resgatava imagens e histórias da cidade que viveu e amou. O seu sepultamento ocorreu na tarde de ontem, no Cemitério do Campo Santo.