sexta-feira, 9 de maio de 2008

O desafio da arte na era dos extremos


Israel Pedrosa reúne em ensaios, todo um arcabouço critico do seu tempo e as suas grandes contradições
Kleber Torres

Uma revisão critica do nosso tempo, esta seria a melhor definição para compreender “Na contramão dos preconceitos estéticos da era dos extremos”. O livro reúne um conjunto de ensaios, conferências, entrevistas e anotações criticas de Israel Pedrosa, um artista plástico que ganhou dimensão internacional com o fenômeno da cor inexistente, projeto que ocupou sua atividade pictórica ao longo dos últimos 40 anos e é objeto de livros, pesquisas e referências na área da física aplicada.
O conceito básico de era dos extremos é o mesmo do historiador Eric Hobsbawm, que o definia como o período tenso da guerra fria marcado pelo confronto aberto entre o comunismo e o capitalismo. Nesse período, o quadro do anticomunismo implanta-se como um ideário das classes dominante em escala mundial, manifestando-se em conflitos como a Guerra da Coréia e a divisão da Alemanha Ocidental e Oriental separadas por um muro de concreto e cimento que veio abaixo nos anos 90, com o processo da gloablização.
Mas uma outra definição mais ampla para a era dos extremos, foi dada pelo musico Yehudi Menahin, ao considera-lo como o século que despertou as maiores esperanças já concebidas pela humanidade, mas que em contrapartida, ao mesmo tempo, destruiu todas as ilusões e ideais.

Portinari

O seu livro começa a partir de uma revisão critica de Cândido Portinari, de quem foi aluno e amigo pessoal, que além de ser um artista responsável por uma verdadeira revolução nas artes plásticas brasileiras, também tinha participação na vida política do país e denunciava as suas grandes mazelas e as graves contradições econômicas, sociais e culturais.
Para Pedrosa, que em 80 anos acumulou uma expressiva bagagem cultural e conhecimento: “A obra de Portinari se transformou num símbolo e bandeira dos ideais artísticos, democráticos e libertários”. Também faz referencia à propria história do Brasil, com fatos com a criação do então Partido Comunista Brasileiro, que agregou trabalhadores e artistas envolvidos com um ideal igualitário e na crença de um homem novo que se contrapunha a Adolfo Hitler, com seu ideário nazista de uma raça ariana.
No ensaio, ele observa que o surrealismo, um movimento antagônico ao realismo socialista seria uma proposta trotskista e faz um alerta dramático do nosso tempo: a desumanização da arte, que privilegia a tecnologia e perde cada vez mais a sua essência humanista.

Muralistas

Um outro ensaio critico faz referências a David Alfaro Siqueiros: revolucionário, político, artista e um dos principais teóricos da arte realista, pública, popular e heróica, sendo também corpo e alma do moderno muralismo mexicano, que teve a participação de artistas expressivos como Diego Rivera e Orozco. Ele não só liderou o movimento muralista, como também exerceu ao longo da sua vida uma atividade política para anunciar a chegada de um novo tempo.
O livro faz referências também a uma viagem de Siqueiros ao Brasil, onde realizou uma palestra para diversos artistas, depois de um período de exílio no Uruguai, quando retornava ao México.
Israel Pedrosa aborda ainda o domínio do fenômeno físico da cor inexistente, que nada tem a ver com ilusão de ótica, pois é captada por equipamentos eletrônicos e mesmo pelas máquinas de impressão gráfica convencionais a partir da alternância de cores básicas. O processo tem como base a teoria das cores, desenvolvida por Leonardo da Vinci e um trabalho teórico de Goethe.
O principio da cor inexistente influencia a indústria gráfica, a fotografia a cores, o cinema e a televisão analógica e digital. Segundo o artista: “O que eu denominei cor inxistente é a cor que surge no fundo branco da tela, entre as tramas de várias gamas, de uma mesma cor, levadas ao paroxismo pela ação dos contrastes”.
Ele também conta que a realização deste trabalho, ao longo do tempo, tornou-se a realização da sua existência. No momento, Pedrosa desenvolve um outro projeto que denominou Dez Aulas Magistrais, com a produção da réplica da obra de grandes autores.
No trabalho também são feitas referências criticas ao poeta Geir de Campos, que defendia a idéia de um homem novo, com seus anseios, proposições, ações, qualidades morais e ética. No ensaio sobre Cantigas de Acordar Mulheres, um dos legados do poeta, que é considerado um canto provisório, dialético, metamítico, matamórfico e metacritico.
Comparando o poeta Geir de Campos a uma raça em extinção, o autor o considera um dos homens para quem a poesia é algo vivo e humanamente valido por si só. Ele também entende que a poesia deve deixar no leitor a lembrança de um sentimento vivido e comunicado.
O conjunto de ensaios também trata do nacionalista Monteiro Lobato, que via a pobreza e o atraso brasileiros como decorrência da subordinação econômica e cultural das nossas elites aos interesses dos grupos internacionais. Fala também dos artistas plásticos Qurino e Hilda Campofiorito, Martinho da Vila, Newton Rezende e Iberê Camargo entre outras pessoas com quem conviveu e que também deixaram um legado á cultura brasileira numa era de extremos, que é uma eterna dialética hoje com ares globalizados e tecnologicamente sofisticados.